Por meio da Resolução nº 5/2025, publicada no Diário Oficial da União em 17 de março de 2025, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) prometeu um novo capítulo na atuação clínica dos farmacêuticos: agora, os profissionais que possuírem o Registro de Qualificação de Especialista (RQE) — Possibilidade criada pela Resolução 04/2025 — poderão prescrever medicamentos, incluindo aqueles que são “tarjados”, desde que os protocolos clínicos sejam respeitados.
O que mudou?
O objetivo central da Resolução é proporcionar maior segurança aos pacientes e controle institucional sobre qual profissional estará habilitado para prescrever. No entanto, essa regulamentação pode ser judicialmente declarada ilegal. E esta afirmação não é um exagero.
A Resolução CFF nº 586/2013, que também regulamentava a prescrição farmacêutica, foi declarada inconstitucional e ilegal pelo TRF1, Seção Judiciária do Distrito Federal, nos autos da Ação Civil Pública nº 0060624-78.2013.4.01.3400. A sentença de novembro de 2024, proferida pelo juiz Alaôr Piacini, teve como fundamento que a prescrição de medicamento só ocorre com a existência de um diagnóstico nosológico — um ato que, conforme a Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico), somente médicos estão autorizados a realizar. Além disso, ressaltou que a ampliação das atribuições dos farmacêuticos por meio de resolução extrapolava o poder regulamentar do CFF, invadindo a competência legislativa da União. Essa decisão ainda não é definitiva e será submetida a duplo grau de jurisdição
Diferenças entre a Resolução nº 5/2025 e a nº 586/2013
Na prática, pouca coisa mudou já que ambas têm como principal objetivo a ampliação da atuação farmacêutica na prescrição de medicamentos. Quantos as novidades, entre as várias catalogadas na nova Resolução, temos a delimitação de farmacêuticos prescritores que possuam o RQE em Farmácia Clínica. E também a expressa autonomia do poder normativo técnico do CFF para disciplinar quais medicamentos e condutas clínicas são autorizadas para cada especialidade farmacêutica e suas subespecialidades, e a exceção a esta da regra, ou seja, a possibilidade do farmacêutico prescrever sem o respectivo RQE em atendimentos à pessoa sob risco de morte iminente.
Outra novidade é a possibilidade de renovar receitas emitidas por outros profissionais e de solicitar exames laboratoriais.
O risco de suspensão
No entanto, surge um questionamento: essas exigências de RQE e outras mudanças são suficientes para justificar a regulamentação e validá-la juridicamente?
As respostas para esses questionamentos permanecem incertas. A decisão judicial de novembro de 2024 não afeta imediatamente a nova resolução, pois ela não era objeto da ação. Contudo, a lógica jurídica utilizada para declarar a Resolução nº 586/2013 inconstitucional e ilegal continua válida: a prescrição de medicamentos, segundo esse entendimento, continua a ser um ato médico.
É arriscado afirmar que a possibilidade de a nova Resolução possa ser suspensa é inexistente. Prova disso é que o Conselho Federal de Medicina (CFM) ajuizou, em 20 de março, uma nova ação buscando a anulação da Resolução nº 5/2025 pelos mesmos motivos.
Mais do que uma disputa normativa, o que se vê é uma guerra institucional. O CFF afirma que o farmacêutico tem, sim, respaldo legal para prescrever. Faz referência à Lei nº 13.021/2014, que aborda o acompanhamento farmacoterapêutico, em uma interpretação extensiva, bem como às diretrizes do MEC, que atribuem a prescrição às competências dos formados em farmácia. Ao mesmo tempo, o Conselho Federal de Medicina (CFM) argumenta que os farmacêuticos não possuem a atribuição legal nem a formação técnica necessária para diagnosticar doenças, estabelecer tratamentos e adotar medidas para restaurar a saúde de pessoas afetadas por diversas enfermidades. Em outras palavras, a prescrição de medicamentos requer um diagnóstico, algo que, segundo o órgão, só pode ser realizado por um médico.
Impactos para os farmacêuticos
O profissional farmacêutico está no fogo cruzado. Se prescrever com base na nova resolução, caso haja a suspensão, poderá ser acusado de exercer ilegalmente a medicina. Além disso, seu RQE pode perder valor prático. A incerteza jurídica é total: a Resolução entra em vigor em 17 de abril de 2025, mas pode ser derrubada a qualquer momento.
Se for mantida a decisão de primeiro grau da Ação Civil Pública nº 0060624-78.2013.4.01.3400, seus efeitos inevitavelmente afetarão a Resolução nº 5/2025, pois servirão de parâmetro para a nova ação movida pelo CFM. Assim, permanece a questão: trata-se de uma regulamentação legítima ou de mais uma tentativa de ampliar prerrogativas que a Justiça pode, mais uma vez, declarar ilegais?
O que é certo é que, apesar de ampliar a atuação do farmacêutico na prescrição, a resolução continuará a gerar mais controvérsias do que segurança jurídica.
Bibliografia
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