A advogada Bruna Barbosa explica como funciona o modelo de “sócio de serviço” e quais erros mais expõem clínicas de estética a processos trabalhistas.
A informalidade nas relações de trabalho ainda é uma realidade no setor de saúde estética. Parcerias “de boca”, contratações via MEI ou PJ e acordos mal estruturados são práticas comuns que podem se transformar em sérios problemas jurídicos. Para esclarecer o tema e apresentar alternativas legais, o Portal Estética e Mercado conversou com a advogada e contabilista Bruna Barbosa, especialista em contratos empresariais e fundadora do projeto Contrate Direito.
Na entrevista, Bruna explica os riscos da informalidade, detalha o modelo de sócio de serviço e mostra como os donos de clínicas podem colocar suas equipes dentro da legalidade — com segurança e inteligência jurídica.
E&M. Quais são os principais riscos jurídicos das parcerias informais nas clínicas de estética?
Bruna Barbosa. “Nas clínicas de saúde estética, é comum haver parcerias informais com profissionais de diferentes áreas. O problema é que essa informalidade — seja pela ausência de contrato ou por um contrato mal feito — deixa a clínica exposta a riscos jurídicos sérios.
No direito do trabalho, sem um contrato bem elaborado e uma relação estruturada com base na autonomia do prestador, a Justiça pode entender que havia vínculo empregatício. E, nesse cenário, a clínica já chega na audiência sendo tratada como se estivesse fraudando a lei, mesmo que essa não fosse sua intenção.
No direito do consumidor, se um cliente sofrer algum dano e a relação com o profissional não estiver formalizada, a clínica será responsabilizada e nem sempre terá como recorrer contra o verdadeiro causador do problema.
Além disso, há riscos de negócio, como a concorrência desleal: profissionais que ‘pegam’ a clientela da clínica e levam para outro lugar, por falta de cláusulas de proteção e penalidades por violação da LGPD e quebra de exclusividade.
O erro mais comum que vejo é o empresário acreditar que só a assinatura do contrato resolve, quando, na verdade, é o dia a dia da relação — comportamento, cultura e comunicação + contrato — que realmente protege a empresa.”
E&M. O que é o modelo de “sócio de serviço” e quando ele é realmente seguro?
Bruna Barbosa. “O formato de Sócio de Serviço é uma alternativa segura à CLT quando falamos de profissionais da saúde estética, que atuam com conhecimento técnico, científico e intelectual.
Ao invés de contratar como autônomo, MEI ou PJ — formatos que muitas vezes geram custos altos ou riscos fiscais — a clínica pode convidar esse profissional a se tornar sócio, mas sem aportar dinheiro, apenas com a entrega do seu serviço.
Na prática, ele entra no contrato social da empresa com uma quota de serviço e passa a receber sua remuneração por meio da distribuição de lucros, sem pró-labore ou encargos. Isso traz benefícios para os dois lados: o profissional recebe mais do que receberia em qualquer outro modelo, e a empresa reduz o risco de ações trabalhistas ou multas do Ministério do Trabalho.
Mas é importante dizer: esse modelo só é viável quando a relação é de fato entre sócios, com liberdade, autonomia e responsabilidade — e não um disfarce de emprego. Feito com seriedade, é uma solução inteligente, legal e blindada.”
E&M. Quais as diferenças entre MEI, PJ e sócio de serviço?
Bruna Barbosa. “Muitos gestores acreditam que contratar via MEI ou PJ já resolve o risco trabalhista, mas não é bem assim.
O MEI, por exemplo, não pode ser usado legalmente para procedimentos estéticos invasivos, embora muitos usem de forma irregular — o que gera risco fiscal e trabalhista.
Já o PJ tradicional exige contabilidade mensal, imposto sobre nota fiscal e pró-labore, que geralmente é de um salário mínimo — o que limita os benefícios previdenciários do profissional e ainda gera 11% de INSS sobre esse valor.
Esses modelos mantêm a relação como prestação de serviço, o que, se não for bem estruturado, pode ser interpretado como vínculo de emprego.
O Sócio de Serviço é diferente. Ele representa uma relação societária real, em que o profissional entra como sócio no contrato social, sem investir dinheiro, mas contribuindo com sua mão de obra. Ele participa dos lucros, sem pró-labore, sem INSS e sem impostos mensais sobre a produtividade.
Essa mudança — de prestador para sócio — afasta a subordinação e o risco trabalhista. E ainda gera ganho para os dois lados: o profissional recebe tudo o que produz e a clínica retém talentos com mais segurança jurídica e menos custo tributário.”
E&M. O que deve constar em contrato para evitar vínculo empregatício?
Bruna Barbosa. “O que mais causa erro nesse tipo de contrato é acreditar que a divisão de comissão, por si só, evita o vínculo de emprego.
A forma de pagamento não impede o processo trabalhista, porque o pagamento sempre existirá — e isso já caracteriza o requisito da onerosidade.
Para não ser considerado vínculo empregatício, o contrato precisa quebrar um dos outros dois requisitos da CLT: a subordinação ou a pessoalidade.
Além disso, não se deve pagar décimo terceiro, férias ou benefícios típicos de CLT. O ideal é que a remuneração esteja sempre atrelada à produtividade — por procedimento realizado ou percentual sobre os atendimentos, por exemplo.”
5. Por onde começar para regularizar a equipe da clínica?
Bruna Barbosa. “O primeiro passo é sair do amadorismo jurídico. Muitos donos de clínica ainda baseiam suas decisões em achismos ou ‘dicas de internet’, mas o que realmente importa é entender como a Justiça do Trabalho julga e o que o juiz espera ver para não condenar a empresa.
Depois de entender isso, o segundo passo é corrigir os comportamentos do dia a dia que criam aparência de emprego e, então, formalizar contratos inteligentes, que respeitem a autonomia do prestador de serviço e quebrem os requisitos de vínculo empregatício — especialmente os do artigo 3º da CLT: subordinação, habitualidade e pessoalidade.
É uma mudança de mentalidade — e de postura — que protege a empresa de processos e dá segurança para crescer.”

Bruna Barbosa é advogada trabalhista com 20 anos de experiência na área contábil e jurídica. Especialista em contratos e gestão de pessoas sem vínculo empregatício, é autora do livro Contrate Direito e criadora do método que já ajudou milhares de empresários a contratar autônomos, MEIs, PJs e sócios de serviço com segurança jurídica, sem fraudes trabalhistas. Atua exclusivamente assessorando empresas do setor de serviços e saúde no Brasil.